A Canção Que Não Houve
Foi
Gonçalves Dias que escreveu a "Canção do Exílio" -
versos de rara sensibilidade - quando cantou as palmeiras da sua
terra, que não lhe saíam da lembrança:
"Minha
terra tem palmeiras
Onde canta o sabiá;
As aves que aqui gorjeiam
Não gorjeiam como lá."
Onde canta o sabiá;
As aves que aqui gorjeiam
Não gorjeiam como lá."
O
poeta pôde cantar no exílio, mas o povo de Deus, não. Era como se
disséssemos: canção do exílio - a canção que não houve. Que
não houve para Israel em Babilônia, terra do seu cativeiro:
"Junto
aos rios da Babilônia, nos assentamos e choramos, lembrando-nos de
Sião. Nos salgueiros que há no meio dela penduramos as nossas
harpas, porquanto aqueles que nos levaram cativos nos pediam uma
canção; e os que nos destruíram que nos alegrássemos, dizendo:
cantai-nos um dos cânticos de Sião. Mas como cantaremos o cântico
do Senhor em terra estranha?" (Salmos 137:1-4).
Um
salmo possivelmente escrito por algum remanescente daquela odisséia
- ali pelo ano 537 antes de nossa era - o autor é desconhecido. Já
em Jerusalém ele fez uma triste evocação daquele drama que pungiu
o coração de um povo. E que o escritor passou para a história
molhando a pena não em tinta, mas, em lágrimas.
A
descrição chega a ser patética: "nos salgueiros que há no
meio dela penduramos as nossas harpas." Não podia ser mais viva
e enternecedora a eloqüência do texto.
A
Babilônia é uma terra de rios, como a Palestina é uma terra de
montanhas. Regada pelo Tigre e pelo Eufrates, que se multiplicam em
canais. Nas suas horas de lazer, que não seriam muitas, os
israelitas procuravam os pontos mais pitorescos da região - os
lugares ribeirinhos. Levavam as suas harpas para tangê-las na hora
da saudade - havia todos os dias a hora da saudade. De
reminiscências. A alma carregada de recordações. De nostalgia.
"Se
eu me esquecer de ti, esqueça-se a minha alma de sua destreza"
(Salmos 137:5).
Jerusalém.
O templo em ruínas. O altar profanado. As ruas desertas. Os lares
vazios. Os campos devastados. A população tangida como gado para o
cativeiro.
Tudo
isso - e eles haviam de cantar?
De
cantar ou de chorar?
E
eles choravam. Choravam todos. Choravam as harpas, baloiçando ao
vento, silenciosas. Até os salgueiros, com suas folhas largas:
salgueiro gosta de água. Cresce à beira de rios. De lagoas. E
lágrima não é água, muita água, misturada com um pouco de
cloreto de sódio e outro pouco de albumina e de alguns sais?
Então
os pobres proscritos não tiveram coragem de cantar. Mesmo apertados
pelos seus feitores que queriam rir à custa do sofrimento daqueles
infelizes.
Pois
deviam ter cantado. Deviam ter escrito aquela canção do exílio,
como Gonçalves Dias escreveu a sua. Pensando não tanto no templo,
que estava longe, mas em Deus que está sempre perto de quem o busca.
Que não está apenas em Jerusalém, mas na Babilônia também. Que
pode ser encontrado em palácios e em senzalas. Que é de livres e de
escravos.
Com
Deus o homem pode cantar mesmo no deserto.
Mas,
choraram. Foi pena.
Nenhum comentário:
Postar um comentário