A Grandiosidade do Homem Depende da Mulher, mas Só Enquanto não a Possui..
O homem
deve à mulher tudo quanto fez de belo, de insigne, de espantoso,
porque da mulher recebeu o entusiasmo; ela é o ser que exalta.
Quantos moços imberbes, tocadores de flauta, não celebraram já o
tema? E quantas pastoras ingenuas não o ouviram também? Confesso a
verdade quando digo que a minha alma está isenta de inveja e cheia
de gratidão para com Deus; antes quero ser homem pobre de
qualidades, mas homem, do que mulher - grandeza imensurável, que
encontra a sua felicidade na ilusão. Vale mais ser uma realidade,
que ao menos possui uma significação precisa, do que ser uma
abstracção susceptível de todas as interpretações. É, pois, bem
verdade: graças à mulher é que a idealidade aparece na vida; que
seria do homem, sem ela? Muitos chegaram a ser génios, heróis, e
outros santos, graças às mulheres que amaram; mas nenhum homem
chegou a ser génio por graça da mulher com quem casou; por essa,
quando muito, consegue o marido ser conselheiro de Estado; nenhum
homem chegou a ser herói pela mulher que conquistou, porque essa
apenas conseguiu que ele chegasse a general; nenhum homem chegou a
ser poeta inspirado pela companheira de seus dias, porque essa apenas
conseguiu que ele fosse pai; nenhum homem chegou a ser santo pela
mulher que lhe foi destinada, porque esse viveu e morreu celibatário.
Os homens que chegaram a ser génios, heróis, poetas e santos
cumpriram a sua missão inspirados pelas mulheres que nunca chegaram
a ser deles.Se
a idealidade da mulher fosse positivamente, e não negativamente, um
factor de entusiasmo, inspiratriz seria a mulher à qual o homem,
casando, se unisse para toda a vida. A realidade fala-nos, porém,
outra linguagem. Quero dizer que a mulher desperta, sim, o homem para
a idealidade, mas só o torna criador na relação negativa que
mantém com ele. Compreendidas assim as coisas, poderá efectivamente
dizer-se que a mulher é inspiradora, mas a afirmação directa não
passa de um paralogismo em que só a mulher casada pode acreditar.
Quem ouviu alguma vez dizer que uma mulher casada tivesse conseguido
fazer do marido um poeta? A mulher inspira o homem, sim, mas durante
o tempo que for vivendo até a possuir. Tal é a verdade que está
escondida na ilusão da poesia e da mulher. Que o homem não
possua a mulher, isso é o que pode ser entendido de várias
maneiras. Ou está ainda na luta para a conquistar, e assim se disse
que a donzela entusiasmou o amante a ponto de fazer dele um
cavaleiro, mas nunca se ouviu dizer que um homem se tornasse valente
por influência da mulher com quem casou. Ou está convencido de que
nunca lhe será possível casar com ela, e assim se diz que a donzela
entusiasmou e despertou a idealidade do amante que se manifestou
capaz de cultivar os dons espirituais de que porventura era portador.
Mas uma esposa, uma dona de casa, tem tantas coisas prosaicas com que
se preocupar, que nunca desperta no marido a idealidade.
Soren Kierkegaard, in "O Banquete" (Discurso de Vitor Eremita)
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