Spurgeon e os Charutos

Eu Voluntariamente os Amarei por Charles Haddon Spurgeon “ Eu voluntariamente os amarei ” (Oséias 14:4, RC) Esta frase é a...

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Irreparável




A quaestio 91 do suplemento da Suma Teológica
tem por título De qualitate mundi post iudicium. Ela
interroga a condição da natureza depois do julgamento
universal: haverá uma renova tio do universo?
Cessará o movimento dos corpos celestes? Aumentará
o esplendor dos elementos? Que será dos
animais e das plantas? A dificuldade lógica com
que estas questões se deparam é a seguinte: se o
mundo sensível tinha sido ordenado com o objectivo
de garantir a dignidade e a habitação do homem
imperfeito, que sentido poderá ainda ser o
seu quando este tiver alcançado a sua destinação
sobrenatural? Como poderá a natureza sobreviver
ao cumprimento da sua causa final? A estas perguntas,
a passeata walseriana na «boa e fiel terra»
traz uma única resposta: os «campos maravilhosos
», a «erva rica de seiva», a «água das generosas
chuvadas», o «círculo recreativo decorado com alegres
bandeiras», as raparigas, o salão de cabeleireira,
o quarto da senhora Wilke, tudo será como é,
irreparavelmente, mas isso será precisamente a sua
novidade. O Irreparável é o monograma que a escrita
de Walser imprime sobre as coisas. Irreparável
significa que elas são entregues sem remédio ao
seu ser-assim, que elas são, pois, precisamente e 
apenas o seu assim (nada é mais estranho a Walscr
do que a pretensão de ser diferente daquilo que se
é); mas significa também que, para elas, não existe
literalmente nenhum refúgio possível, que, no seu
ser-assim, estão agora absolutamente expostas, absolutamente
abandonadas.
Isto implica que do mundo post iudicium desapareceram
simultaneamente a necessidade e a
contingência, estas duas cruzes do pensamento ocidental.
Ele é agora, pelos séculos dos séculos, necessariamente
contingente ou contingentemente
necessário. Entre o não poder não ser, que sanciona
o decreto da necessidade, e o poder não ser, que define
a vacilante contingência, o mundo finito insinua
uma contingência elevada à segunda potência,
que não funda nenhuma liberdade: ele pode não
não-ser, pode o irreparável.
Por isso o antigo ditado segundo o qual a natureza,
se pudesse falar, lamentar-se-ia perde aqui a
sua verdade. Os animais, as plantas, as coisas, todos
os elementos e as criaturas do mundo após ojulgamento,
esgotada a sua tarefa teológica, gozam agora
de uma caducidade por assim dizer incorruptível,
por cima deles está suspenso algo como um
nimbo profano. É por isso que ninguém poderia
definir melhor o estatuto da singularidade que
vem do que os versos que encerram um dos últimos
poemas de Hõlderlin-Scardanelli:
[Ela} mostra-se com um dia de ouro
e sem lamentos é a completude. 


Giorgio Agamben

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